Lisboa: Depois do “boom” turístico e do investimento estrangeiro, a crise na habitação

O retrato de Lisboa como cidade de imóveis devolutos e degradados deu lugar a uma versão ‘very typical’ de uma região que cresceu com o ‘boom’ turístico e o investimento estrangeiro no imobiliário, enfrentando hoje uma crise na habitação.

Além do burburinho das obras de reabilitação, Lisboa foi invadida pela desordem ruidosa das malas de viagem a calcorrear a calçada portuguesa – uma parte de turistas e residentes estrangeiros que se instalam na cidade, outra de famílias portuguesas despejadas de casas arrendadas e ‘empurradas’ para os concelhos periféricos, devido à subida do preço das casas.

Apesar de a crise coincidir com o ‘boom’ turístico, proprietários e inquilinos dizem que um dos principais responsáveis pelos aumentos foi o investimento de estrangeiros no mercado imobiliário, sobretudo através dos Vistos Gold.

“Como as pessoas [cidadãos estrangeiros] tinham de investir, necessariamente, 500 mil euros, isso provocava uma subida do imobiliário”, afirma o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, Luís Menezes Leitão, em declarações à Lusa, culpando o Governo pela quebra da oferta no arrendamento, devido às alterações legislativas, como a prorrogação do período transitório dos contratos com rendas antigas, o que criou uma “crise de confiança” no mercado.

No distrito de Lisboa, o aumento do preço das rendas “está a ser muito grande”, com subidas na “ordem dos 8% ao ano”, diz Menezes Leitão, explicando que a dinâmica “começa na capital e depois vai-se expandindo, como se fosse uma onda, para os concelhos limítrofes”.

Em 2018, indicou, houve uma quebra de 20% nos contratos de arrendamento na capital. Este ano, prevê-se “uma quebra semelhante” e “é muito provável que as rendas subam muito mais”.

Segundo o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, Romão Lavadinho, foram muitos estrangeiros a comprar propriedade em Portugal, colocando os imóveis no mercado de arrendamento a valores muito especulativos: “Já não são só os privados portugueses que fazem valores especulativos, mas são os proprietários privados estrangeiros que também beneficiam disso”.

“Houve um aumento dos despejos, especialmente por questões do chamado ‘bullying’, ou seja, da pressão que os proprietários têm feito sobre os inquilinos”, refere, acrescentando que a intenção foi aumentar o valor das rendas com a celebração de novos contratos ou a transação dos imóveis.

Os inquilinos lamentam que na cidade de Lisboa as rendas cheguem a 20 euros por metro quadrado, resultando em valores de 2.000 euros para casas de 100 metros quadrados. Na periferia a situação é menos grave, mas não deixa de preocupar: “A norte do Tejo, na Amadora, Queluz, Sintra, etc., os mínimos não são menos de 850, 1.000 euros”.

Proprietários e inquilinos falam também do impacto do alojamento local, com senhorios a direcionarem a oferta de arrendamento tradicional para alojar turistas ou a utilizarem imóveis devolutos para esse fim, sobretudo no centro histórico da capital.

“O alojamento local faz parte de uma transformação grande de Lisboa”, sublinha o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal, Eduardo Miranda, admitindo que “existe uma pressão a nível estrutural em termos de habitação”, mas que tal resulta da “falta de investimento, falta de oferta, com décadas”, na habitação.

Destacando a “rápida resposta” do alojamento local ao aumento da procura turística, Eduardo Miranda afirma que o crescimento da atividade no distrito de Lisboa representa hoje 30% do total a nível nacional. Eventos como a Web Summit e a Champions League, diz, não eram sequer viáveis em Lisboa sem esta oferta.

Atualmente, o alojamento local regista um abrandamento, com um ritmo menor de crescimento, de perto de 50% no distrito de Lisboa e de 60% na capital, revelou o representante, salientando que “não é uma atividade de investimento imobiliário, de rentabilização imobiliária, é uma atividade de pessoas que querem e gostam da prestação de serviços”, em que quase 90% dos operadores são famílias, micro e pequenas empresas.

“Se não fosse o alojamento local, muita desta procura não tinha destino”, reconhece a presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), Cristina Siza Vieira, considerando “saudável” a concorrência entre diferentes ofertas de alojamento.

Na hotelaria, houve “um ‘boom’ grande nas dormidas” em 2016 e 2017 no distrito, mas com um crescimento médio “sustentado”, quer em termos da oferta, quer em termos da procura. Ainda assim, acrescenta, a capacidade máxima da oferta nunca se esgotou.

A taxa de ocupação hoteleira em Lisboa foi de 81% durante 2018, enquanto a média nacional ficou em 70%. Segundo a AHP, houve mais 12 hotéis no distrito de Lisboa, contabilizando-se 189 no total de 1.362 unidades hoteleiras em Portugal, e está prevista, para este ano, a abertura de “cerca de 25 hotéis” na área metropolitana.

Classificando o imobiliário como “petróleo e ouro” do país, o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, Luís Lima, destaca a “recuperação total” no mercado de compra e venda, em consequência do investimento estrangeiro, durante os últimos quatro anos, período em que “não houve um investimento a nível do mercado de arrendamento”.

Investiu-se mais, sublinha, no alojamento local e a oferta tornou-se escassa: “Quando há muita oferta e pouca procura, os preços crescem para níveis que os cidadãos portugueses não podem pagar”.

Sobre a intervenção política no setor da habitação, com grande impacto em Lisboa, os inquilinos recordam a “retirada de direitos” com a lei Cristas de 2012, que liberalizou o arrendamento, enquanto os proprietários criticam a criação do imposto Mortágua, designado Adicional do Imposto Municipal sobre Imóveis, que se aplica apenas a imóveis habitacionais.

Um distrito de realidades diferentes que elege 48 deputados

O distrito de Lisboa, com 1,9 milhões de eleitores, está dividido entre concelhos rurais e outros mais metropolitanos na proximidade da capital, onde se tem registado um aumento do valor das habitações e do número de turistas estrangeiros.

De acordo com o projeto Eyedata, que reúne os últimos dados oficiais disponibilizados, o distrito tem mais de 2,25 milhões de residentes, dos quais 9,35% estrangeiros com autorização de residência, e segue a tendência nacional de uma população com mais idosos (21,91% têm mais de 65 anos) do que jovens (apenas 15,88% têm menos de 15 anos), segundo dados de 2018.

O círculo eleitoral correspondente ao distrito de Lisboa tinha, no final de 2018, 1.914.894 eleitores portugueses, a que se somam 3.345 residentes votantes originários de países da União Europeia e 7.729 outros cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, de acordo com o Diário da República.

Nas legislativas de 2015 o distrito elegeu 47 deputados: 18 do PS, 13 do PSD, cinco da CDU, cinco do BE, cinco do CDS-PP e o único deputado do PAN, com uma abstenção de 39,42% (43,01% a nível nacional). Este ano, contudo, o círculo eleitoral passou para 48 assentos no parlamento.

O distrito obtém dos índices mais elevados de poder de compra, de rendimentos per capita e de infraestruturas, mas estes valores médios não têm em conta as disparidades existentes entre os 16 concelhos, grande parte deles com uma economia assente na ruralidade.

Nos anos mais recentes, as queixas têm batido sobretudo no aumento dos preços das casas, fenómeno que começou em Lisboa e que está progressivamente a alastrar pelos concelhos vizinhos.

Nos 16 municípios, o valor médio dos prédios urbanos transacionados mais do que duplicou entre 2010 e 2017, com um aumento de 110%, passando de 68.735 euros por cada imóvel, sem considerar a área, para o montante de 144.862 euros.

Nestes valores, segundo a Pordata, destaca-se a cidade de Lisboa, onde, apesar de o preço médio em 2010 já ser quase o dobro da média do distrito, se registou um crescimento de 219% até 2017, subindo de 136.155 para 434.567 euros.

Em relação ao turismo, por cada 100 habitantes existiam em 2017 no distrito 3,29 camas em estabelecimentos hoteleiros. Em 2010 estavam disponíveis no distrito 49.733 camas para turistas e em 2017 eram 74.265, com destaque para os concelhos de Lisboa (passou de 35.258 para 55.598), Cascais (de 7.526 para 8.536), Sintra (1.415 para 3.027), Oeiras (1.554 para 1.937)e Mafra (619 para 1.391).

Em 2016, do total de hóspedes em estabelecimentos hoteleiros, 73,69% eram estrangeiros, segundo a Pordata.

O índice do poder de compra per capita do distrito, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em novembro de 2017, mas relativo a 2015, era de 129,93 (no município de Lisboa era de 214,5 e o índice do total nacional de 100,22).

Em 2016, o ganho médio mensal de trabalhadores por conta de outrem era de 1.396,18 euros (a nível nacional era de 1.108,56 euros) e dados de 2018 revelam que a percentagem de desempregados inscritos (população residente com 15-64 anos) era de 4,50% (quando no país era de 5,54%).

Em 2018, foram beneficiários do rendimento mínimo e do rendimento social de inserção 2,67% da população residente no distrito com mais de 15 anos (3,20% no total do país).

Segundo os Censos de 2011, tinham pelo menos o ensino secundário 40,72% das pessoas com mais de 15 anos deste distrito e dados de 2016 revelam que a taxa dos empregadores com pelo menos o ensino secundário completo era de 60,45%.

Em 2017, havia 0,77 estabelecimentos de ensino secundário e 4,78 estabelecimentos de ensino pré-escolar por cada 10.000 habitantes.

No final do mesmo ano, havia 7,15 os médicos para cada mil habitantes (5,05 no total nacional) e existiam 2,38 unidades hospitalares públicas e privadas para cada 100 mil habitantes (2,19 no total nacional).

Neste círculo eleitoral, em 2017, foram registados pelas polícias 393,75 crimes por cada 10 mil habitantes (acima dos 321,58 crimes por 10 mil habitantes registados a nível nacional).

Em 2017 foram recolhidos 503,17 quilos de resíduos urbanos por habitante (a média nacional é de 487,29), dos quais 73,14% (50,62% no total nacional) foram preparados para reciclagem.

Nesse mesmo ano, as câmaras municipais do distrito de Lisboa tinham, em média, uma dívida de 338,93 euros por habitante (436,04 era a média nacional).

Fonte: Jornal de Negócios