Oferta não agrada aos grandes investidores internacionais

Estudo da consultora norte-americana Cushman & Wakefield define as principais tendências do investimento imobiliário para 2021. Mas a oferta nacional é escassa nas áreas “vencedoras” da pandemia.

A logística, habitação para arrendamento e os equipamentos de saúde são as principais tendências de investimento no mercado imobiliário no rescaldo da pandemia. Porém, a oferta nacional nestas três áreas “vencedoras” da crise provocada pela covid-19 poderá estar algo desfasada do apetite dos grandes investidores internacionais.

“Beds, sheds and meds” (camas, armazéns e medicamentos) foi o trocadilho em inglês escolhido pela consultora norte-americana Cushman & Wakefield para sintetizar as principais tendências de mercado no seu guia de investimento para 2021. Contratos duradouros e solidez dos inquilinos são o mote para os investidores num cenário marcado ainda por alguma incerteza quanto à recuperação.

“Em Portugal, nenhuma destas três categorias está muito representada e não há oferta para satisfazer a procura”, afirma Paulo Sarmento, diretor de investimento da Cushman & Wakefield Portugal.

O responsável lembra que antes da eclosão da pandemia, a oferta concentrou-se nos centros comerciais, hotéis e alguma logística. Este último sector foi um dos grandes vencedores da crise provocada pela pandemia, com o confinamento a provocar uma grande procura de espaços para centros de armazenamento e distribuição. “Em Portugal, os centros de logística em larga escala são desenvolvidos e promovidos por grandes empresas que são as proprietárias dos espaços. E que não tencionam vendê-los”, acrescenta.

HABITAÇÃO COM UM QUINTO DO INVESTIMENTO

A par do peso crescente da procura por logística, impulsionada cada vez mais pelo crescimento do comércio eletrónico, surge também o interesse na habitação para arrendamento — multifamílias.

“O sector residencial para arrendamento é a grande estrela do momento. Ocupa o segundo lugar das intenções de investimento, logo a seguir aos escritórios”, salienta Paulo Sarmento. De um valor total de investimento imobiliário na União Europeia da ordem dos €256,57 mil milhões, mais de um quinto (22%) referem-se ao segmento residencial, segundo a Cushman & Wakefield.

Em países como os EUA ou o Reino Unido, este segmento — chamado “Private Rented Sector” —, é marcado, na maior parte dos casos, por transações de grande portefólios arrendados, com centenas ou milhares de casas.

“Em Portugal, tal como nos países do sul da Europa, a oferta é insuficiente”, afirma. Paulo Sarmento reconhece, porém, que começam a surgir vários projetos de construir para arrendar (build to rent). Uma tendência que se começa a sentir em Espanha e que acabará por chegar a Portugal. Em 2020, o segmento residencial em Espanha liderou o mercado, sendo responsável por 18% do investimento imobiliário total, avaliado pela Cushman & Wakefield em €7680 milhões. Por contraste, de um total de €2800 milhões de investimento registado em Portugal, o peso do setor residencial para arrendamento foi nulo, segundo os dados da consultora.

“O sector residencial para arrendamento é a grande estrela do momento”, diz Paulo Sarmento, da C&W

Paulo Sarmento dá ainda como exemplo do apetite dos investidores por este tipo de ativos com o caso do Blackstone Group — um dos maiores investidores mundiais e conhecido por definir tendências no mercado imobiliário. Na Europa, o Blackstone investiu em 2020 cerca de €8 mil milhões, 96% dos quais em logística e residencial.

O sector de cuidados de saúde — hospitais, clínicas e centros de investigação — é a terceira categoria que também deverá registar um grande aumento da procura internacional este ano, revela o estudo da Cushman & Wakefield. Em 2020, foi um dos segmentos que mais cresceu, embora o seu peso seja residual no total de investimento.

Ao contrário do que acontece nos EUA e no Reino Unido, onde este sector assenta num modelo de propriedade separado da gestão, tal não acontece em Portugal. “No mercado nacional, hospitais e clínicas são propriedade de grupos económicos que também são responsáveis pela operação”, explica Paulo Sarmento. Daí que também não exista oferta disponível, o mesmo acontece com os centros de investigação.

Já no segmento de escritórios, Paulo Sarmento, considera que o mercado está numa situação de “esperar para ver”. Lembra que a crise poderá levar à redução de atividade, o que aliado à generalização do teletrabalho, leva a um momento de reflexão. A incógnita é saber quanto espaço é que as empresas precisam e como o distribuir. Este segmento reagiu bem à pandemia. Em 2019 a taxa de desocupação foi inferior a 4% e em 2020 ficou abaixo dos 5%. “Na segunda metade de 2021, a dinâmica deste segmento será mais interessante, mas não tanto quanto a exuberância de anos anteriores”, adianta

HOTELARIA PODE ANIMAR NO FINAL DO ANO

Apesar do ano terrível vivido pela hotelaria devido à pandemia da covid-19, este sector deverá registar alguma procura no fim de 2021. “Os indicadores fundamentais do turismo mantêm-se e há expectativa de recuperação. A única dúvida é a velocidade”, acrescenta. Sarmento lembra que, mesmo durante a pandemia, os investidores mantiveram-se muito atentos aos hotéis. “Mas com uma atitude frequentemente oportunista, e os proprietários resistiram”, acrescenta.

Para o responsável, o novo confinamento num inverno que já se previa duro poderá levar a que se concretizem transações mais no final do ano. Sem turismo e por isso sem receitas, muitos proprietários poderão ter que encerrar as portas das unidades hoteleiras.

Mercado de escritórios está em espera,mas deverá reanimar no segundo semestre deste ano

Neste sector porém, as dúvidas são maiores em relação aos hotéis do segmento MICE — acrónimo em inglês de reuniões, incentivos, conferências e exposições. Aqui, a retoma deverá ser mais lenta devido à generalização do teletrabalho.

No retalho, a situação parece bastante mais complicada para os centros comerciais do que para as grandes “lojas de rua”.

Desde antes da pandemia, nota-se que o comércio eletrónico tem minado os resultados do retalho, sobretudo em centros comerciais e retail parks. Em Portugal, por características culturais, este tipo de comércio não é tão afetado pelas compras online. Porém, a recente decisão de obrigar a perdoar as rendas dos centros comerciais afasta o investimento, a curto prazo. “O investidor põe em dúvida a credibilidade e receia a instabilidade legislativa”, afirma.

Em contrapartida, grandes unidades de retalho especializado — tipo MediaMarkt ou Leroy Merlin, entre outros —, bem localizadas, com contratos longos e inquilinos solventes são muito procuradas.

INTERNACIONAL

Mundo

Apesar da recuperação desigual, a procura de imobiliário em 2021 é suportada pelas baixas taxas de juro, liquidez abundante e falta de alternativas que garantam idêntico risco-retorno. A C&W prevê um grande reforço de investimento no último trimestre.

Europa

Só a partir do terceiro trimestre é que o investimento começará a crescer. Porém, a incerteza em relação à economia e ao desemprego leva os investidores a preferirem ativos de menor risco.

Ásia-Pacífico

Lidera o crescimento desde meados de 2020, graças à contenção da pandemia, sobretudo na China e na Coreia do Sul. A procura vai manter-se nos ativos industriais e residenciais. Escritórios acompanham retoma.

América do Norte

A partir do quarto trimestre, o investimento ganhará força no mercado de escritórios.

Fonte: Expresso