Portugal mantém o programa de vistos Gold mesmo com alguns residentes a serem pressionados.
Ana Guerreiro aponta para o outro lado da rua para um punhado de projetos de moradias à volta do bairro de Marvila, em Lisboa. Foi para onde se mudou com a mãe no ano passado, após os elevados preços de arrendamento que já não podia suportar sozinha.
“Os preços dispararam aqui”, afirmou Ana Guerreiro, de 33 anos, enquanto saía do café onde serve às mesas para fazer uma pausa.
Portugal é o mercado imobiliário mais dinâmico da Europa Ocidental graças a incentivos fiscais concedidos a compradores estrangeiros e aos chamados programa de vistos de gold, que oferecem licença de residência em troca de um investimento mínimo de 500.000 euros. O outro lado, para pessoas como Ana Guerreiro, é que se tornaram danos colaterais sem perspetiva de arrefecimento dos preços em breve.
Os investidores estrangeiros investiram 4,3 mil milhões de euros em imobiliário português através do programa de residência desde que começou em 2012. O primeiro-ministro António Costa, que deverá ganhar um segundo mandato nas eleições do próximo mês, sinalizou que o país precisa de incentivos para continuar a atrair investimento.
Lisboa tornou-se um íman para turistas na Europa, com muitos investidores a renovarem propriedades e transformarem-nas em arrendamentos de curto prazo através de sites como o Airbnb. Os alugueres de curto prazo têm sido responsabilizados pelo aumento de preços porque são direcionados para visitantes que podem pagar mais do que os locais.
De acordo com os últimos números, os preços dos imóveis em Portugal aumentaram 9,2% no primeiro trimestre do ano, o maior ganho na Zona Euro e o aumento mais acentuado na União Europeia, depois da Hungria e da República Checa, segundo dados compilados pelo Eurostat.
“Eles não podem dar-se ao luxo de dizer que não”, salientou Tiago Caiado Guerreiro, advogado em Lisboa especializado em legislação fiscal. “Estes incentivos transformaram cidades como Lisboa num ímã para investidores estrangeiros que ajudaram a colocar a cidade no mapa como um dos principais destinos turísticos “.
De facto, a uma curta distância de onde Ana Guerreiro trabalha, uma linha de novos empreendimentos está a surgir por trás de muros e paredes cobertas de grafites, casas de luxo comercializadas principalmente para uma nova geração de residentes estrangeiros.
Variações dos incentivos de Portugal foram adotadas na Europa e noutros países – dos EUA e Canadá a Espanha e Grécia. Estes tendem a durar até uma massa crítica de oponentes exporem os custos – aumento dos preços da habitação, ausência de proprietários e alegações de corrupção – que superam os benefícios, e aí os políticos abandonam os incentivos.
As circunstâncias particulares de Portugal podem impedir este abandono por mais tempo do que noutros países, pois ainda existem muitas propriedades que precisam de reforma e os preços continuam a ser relativamente razoáveis em comparação com outras partes da Europa.
Há pouco tempo, com a Europa a recuperar da crise financeira global, Portugal ficou para trás dos vizinhos na atração de investimento – o ficou visível. Os edifícios na histórica Lisboa foram desmoronando, o trabalho de azulejos e a alvenaria desbotaram e racharam.
Tudo isto começou a mudar depois de o governo ter retirado os controlos aos arrendamentos em 2012 e introduziu os vistos gold e benefícios fiscais para atrair residentes estrangeiros ricos e investidores imobiliários. Na altura, cerca de 12.000 edifícios estavam em más condições ou em ruínas, cerca de 20% do total, segundo as estimativas da Câmara Municipal.
Agora, as ruas de paralelepípedos de Lisboa e os palácios das colinas estão a ser restaurados, e centenas de edifícios convertidos em novos hotéis, apartamentos para aluguer de curto prazo e lojas de retalho de luxo.
O investimento no setor imobiliário e na indústria do turismo bateu recordes, impulsionando a economia portuguesa, que se expandiu pelo quinto ano consecutivo em 2018.
“Lisboa nunca foi tão boa em termos de restauração dos seus edifícios “, salientou Francisco Bethencourt, um professor de História no King’s College em Londres. “O número de edifícios decrépitos foi reduzido e algumas das misérias que existiam em alguns bairros já não é visível. No entanto, esta mudança teve enormes custos sociais, pois os residentes com menos recursos financeiros estão a ser empurrados para a periferia.”
Ana Pinto, presidente da Associação de Moradores de Marvila, pode ver alguns benefícios de mais dinheiro a entrar na sua cidade, que agora faz comparações com paraísos hipster em Brooklyn, Nova Iorque.
Mas Ana Pinto reclama que alguns dos mais de 600 membros da sua associação está a mudar-se para outro lugar depois de os preços das casas terem subido 88% no primeiro trimestre face ao ano anterior, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE).
“Os preços dos imóveis tornaram-se simplesmente insuportáveis para nós”, realçou Ana Pinto. “O que é que se pode fazer?”
O Canadá encerrou um plano de investimento para imigrantes em 2014 após concluir que trouxe um “benefício económico limitado”. Comparando com outros imigrantes económicos, os investidores pagaram menos impostos, houve uma propensão menor a permanecerem no Canadá e muitas vezes não possuíam conhecimentos, incluindo proficiência em inglês ou francês, para integrar a comunidade, concluiu o governo. O programa estava a admitir aproximadamente 2.000 investidores por ano quando terminou.
“O programa para investidores transformou-se numa espécie de programa para reformas “, afirmou Dan Hiebert, especialista em migração internacional na Universidade da Colúmbia Britânica em Vancouver. “Em vez de impulsionar o lado do investimento da Economia canadiana, impulsionou o lado do consumo da economia “, incluindo compras de imóveis, carros caros e assim por diante, disse.
Na Europa, cerca de 20 países têm programas de investimentos imobiliário, que permitem ao dono viajar livremente dentro do espaço Schengen por um período limitado, de acordo com a Comissão Europeia. Em janeiro, a comissão alertou para o facto de este tipo de programas exporem o bloco à lavagem de dinheiro e riscos de segurança.
Também pode mudar a maneira como as pessoas vivem nas cidades.
No mês passado, um anúncio online que promoveu o aluguer de casas contentores em Marvila foi manchete na imprensa local, que ligava o arrendamento por 600 euros dos contentores, usados habitualmente para transporte de mercadorias, à falta de habitação a preços acessíveis em Lisboa. Alguns dias depois, a Câmara ordenou a remoção dos contentores, noticiou o jornal Público.
A cerca de 10 km, na cidade da Amadora, a presidente da Câmara Municipal Carla Tavares afirmou que o boom imobiliário de Lisboa ajudou a transformar um subúrbio que já foi visto como um ponto quente de crime num centro vibrante para residentes estrangeiros e empresas como a Siemens AG. Os preços dos imóveis na Amadora aumentaram 23% no primeiro trimestre do mesmo período do ano anterior.
“É muito positivo ver tanta reabilitação na cidade”, afirmou Carla Tavares numa entrevista por telefone a 14 de agosto. “Devemos deixar o mercado funcionar.”
Fonte: Jornal de Negócios